quarta-feira, 8 de outubro de 2008

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias

Estamos na Romênia, perto do final do comunismo, nos anos 1980. Otilia e Gabriela são companheira de quarto em uma república de estudantes. Ela está estudando na politécnica, e espera que, ao se formar, não seja enviada pelo governo para algum canto remoto do país. Otilia (Anamaria Marinca, a grande força do filme) é claramente quem faz acontecer as coisas. A câmera do diretor Cristian Mungiu a acompanha enquanto anda pelos corredores do prédio fazendo vários coisas, como procurar por um maço de cigarro contrabandeado de alguns árabes, dar uma olhada na mercadoria ilegal (perfumes, maquiagem, anticoncepcionais) vendidas por outra colega, ou procurando leite em pó para alimentar alguns gatinhos. Gabriela, ou "Gabita" (Laura Vasiliu), é insegura e está se sentindo mal por causa de alguma coisa. Ela dá um maço de dinheiro a Otilia e pede que ela faça uma tarefa para ela. Otilia parte em um ônibus para o centro da cidade e vai encontrar o namorado, que também lhe empresta dinheiro e lhe cobra uma visita à mãe dele naquela noite. É aniversário dela. Otilia lhe pergunta onde pode encontrar um maço de cigarros, e ele lhe passa um endereço no mercado negro. Estes são os primeiros minutos de "4 meses, 3 semanas e 2 dias", e não nos preparam para o suspense que, pouco a pouco, vai se instalar no filme. O que podemos notar é que a Romênia é um país pobre, burocrático e cheio de modos "alternativos" de se conseguir alguma coisa.

O suspense vai aos poucos se instalando a partir de uma característica técnica: o diretor alterna planos curtos, que geralmente representam cenas de transição mostrando Otilia em movimento, pegando ônibus ou andando pelas ruas, com longos planos ininterruptos de diálogo, geralmente entre duas pessoas. Isso força o espectador a ter que acompanhar em tempo real os percalços que Otilia passa para conseguir alguma coisa, geralmente tendo que subornar alguém. Ela vai à um hotel e reserva um quarto para três noites. Depois vai se encontrar com um homem que, desconfiado, lhe faz um monte de perguntas. Finalmente, os dois se encontram com Gabriela no quarto do hotel e ficamos sabendo do que se trata o filme. Gabriela está grávida, e o homem (ironicamente chamado de Sr. Bebe) está ali para realizar um aborto clandestino. Interpretado por Vlad Ivanov, o homem aos poucos descreve friamente o que vai acontecer, e como irá realizar o aborto. Novamente os planos sem cortes criam uma tensão palpável, enquanto percebemos a gravidade da situação e, pior, percebemos o que o Sr. Bebe vai exigir em troca como pagamento. No cinema, neste momento, alguns espectadores se levantaram e deixaram a sala.

Frio e sem música, o filme é muito bem feito em criar tensão sem necessidade de apelar para cenas fortes. A situação é pesada o suficiente para deixar o espectador em suspense e o ritmo lento só faz a imaginação criar o pior. Anamaria Marinca faz um ótimo trabalho ao interpretar Otilia, uma moça decidida que, ao querer ajudar uma colega de quarto, passa por situações inimagináveis. Há um ótimo plano contínuo que a foca sentada à mesa de jantar no aniversário da mãe do namorado. Enquanto todos os convidados batem papo percebemos na feições dela a preocupação com a amiga que deixou no quarto de hotel. Ela também imagina o que aconteceria se ela estivesse na mesma situação, e desabafa suas preocupações com o namorado. O cena final é aberta, mas alguns detalhes sugerem problemas para o Sr. Bebe.

Um filme seco, sobre um assunto polêmico. Pode ser usado, imagino, tanto por pessoas contra o aborto quanto pelas que são a favor. Visto em 35mm na CPFL Cultura, em Campinas.

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