quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Duna: Parte 2 (Dune: Part 2, 2024)

 
Duna: Parte 2 (Dune: Part 2, 2024). Dir: Denis Villeneuve. Três anos depois da primeira parte, chega aos cinemas a continuação do épico de Denis Villeneuve, Duna. O primeiro filme, apesar de muito bom, tinha o problema de parar no meio da trama. Este começa praticamente na cena seguinte do filme anterior e imagino o dia em que vai ser possível assistir tudo, de uma vez, em um filmão de mais de quatro horas.

O roteiro traz algumas adaptações e mudanças na trama do livro que são interessantes. Stilgar (Javier Bardem), é mostrado como um fanático religioso, diferentemente do livro. Chani (Zendaya), ao contrário, é vista como uma pessoa cética que acha que profecias servem apenas para prender seu povo. Esses temas, presentes nos livros de Frank Herbert, são colocados mais em evidência no roteiro de Villeneuve e Jon Spaihts. Paul Atreides (Timothée Chalamet) não acredita que ele seja o "Lisan al Gaib", o profeta que o povo Fremen acredita que veio para salvá-los. Já Lady Jessica (Rebeca Ferguson), sua mãe, acha que ele deve abraçar as profecias para ganhar mais poder.

Todos estes temas, fanatismo, misticismo, dependência química e expansão da mente convivem em um cenário de ficção-científica, com suas naves espaciais, lasers, explosões e batalhas épicas entre casas rivais do Império. O estilo grandioso de Villeneuve, acompanhado pela música de Hans Zimmer e incríveis efeitos especiais, por vezes, beiram o exagero. Uma vez que se "abrace" o estilo, no entanto, o resultado é impressionante. Eu, que já li o livro original várias vezes, fico impressionado como a visão de Villeneuve é parecida com o que eu havia imaginado. Já foi anunciado que um terceiro filme, baseado em "O Messias de Duna" (o segundo livro), será feito por Villeneuve e equipe (o que explica porque Anya Taylor-Joy aparece só por alguns segundos neste filme... sua personagem será explorado no próximo capítulo).

O resto do elenco conta com Josh Brolin, Austin Butler, Léa Seydoux, Charlote Rampling, Florence Pugh, entre outros. O grande Christopher Walken, que eu adoro, infelizmente foi uma escolha errada para encarnar o Imperador. Walken é ótimo, mas está fora de lugar aqui. Não sei como estes filmes são encarados por quem não leu os livros (estou curioso), mas achei um épico grandioso. Nos cinemas.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023)

 
Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2023). Dir: Jonathan Glazer. Cinema, disse Martin Scorsese, é decidir o que está ou não dentro do frame. Às vezes, porém, o que não está também é importante. Neste filme de Jonathan Glazer a câmera faz o possível para olhar para o outro lado. Talvez seja a atitude de muitos alemães durante a 2ª Guerra Mundial?

A família de Rudolf Höss (Christian Friedel) vive em uma bela casa. Há uma piscina, um jardim florido, uma horta. A esposa, Hedwig (Sandra Hüller, a ótima atriz de "Anatomia de uma Queda"), tenta manter tudo limpo e organizado. As crianças brincam no jardim ou nadam em um rio próximo. Rudolf Höss é comandante do campo de concentração de Auschwitz, cujos muros fazem divisa com sua casa. De vez em quando, oficiais nazistas entram para discutir a construção de novos fornos ou outras questões logísticas. Höss descobre que vai ser transferido e fica preocupado com a reação da esposa. À noite, o clarão das chaminés ilumina os quartos.

Se não fosse um filme sobre o Holocausto, poderia ser o retrato de uma família comum. O pai, tentando fazer seu trabalho direito mas, também, atento à família (ele lê contos de fadas para as filhas todas as noites). A mãe, cuidando da casa e preocupada com a educação dos filhos. O cachorro tentando pegar a comida da mesa. Os empregados (judeus), limpando a casa e escutando broncas da patroa. Quanto mais comum, mais arrepiante. Glazer mantém a câmera quase sempre estática, o que aumenta a angústia. A imagem clara e límpida (direção de fotografia de Lukasz Zal), parece curiosamente atual; o filme não tem aquele "ar" de velho, da 2ª Guerra, o que deixa o filme ainda mais assustador. Só a trilha de Mica Levi, bastante estranha, tenta nos mostrar que algo está muito errado. "Zona de Interesse" está indicado aos Oscar de melhor filme, direção, roteiro adaptado, som e melhor filme internacional. Muito bom. Nos cinemas.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

O Menino e a Garça (Kimitachi wa dou ikiru ka, 2023)

O Menino e a Garça (Kimitachi wa dou ikiru ka, 2023). Dir: Hayao Miyazaki. Como falar do novo filme de Hayao Miyazaki? A sensação é a de estar vendo um sonho. Há passagens sérias e realistas como quando um garoto perde a mãe em um bombardeio em Tóquio, na 2ª Guerra Mundial; há, também, cenas que mostram periquitos gigantes e coloridos fazendo bolos e se preparando para cortar o mesmo menino em pedaços. Cenas cheias de simbologia e seriedade são entrecortadas por imagens de seres "fofinhos" que flutuam no ar como balões de festa (para, em seguida, serem devoradas por pelicanos famintos).
Miyazaki está com 83 anos e tem um modo todo particular de trabalhar. Há um documentário bem interessante na internet sobre os bastidores de "Ponyo" (2008), em que vemos o mestre japonês pensando em como começar o filme. Animações americanas, por serem caras e trabalhosas, costumam ser pré-produzidas nos últimos detalhes, com criação de storyboards precisos e gravação das vozes. Já Hayao Miyazaki parece criar conforme vai produzindo, o que pode explicar o sentimento de "sonho" ou "fluxo de consciência" presente em várias de suas animações.
O roteiro de "O Menino e a Garça" é remotamente baseado em um livro de Genzaburō Yoshino, de 1937 (que, aliás, aparece no filme). A trama, no entanto, teria sido baseada na infância de Miyazaki. O garoto Mahito (Soma Santoki), depois que perdeu a mãe, é levado pelo pai para uma enorme mansão no interior do Japão. Lá ele conhece sua nova "mãe", Natsuko (Yoshino Kimura) que é sua tia e está esperando um bebê. A casa em estilo europeu, no meio da floresta, lembra um pouco a casa das garotas em "Meu amigo Totorô" (1988). Mahito começa a ser visitado por uma enorme garça real, que o provoca e fala que ele tem que "salvar sua mãe". Há uma estranha torre perto da mansão e a garça atrai o garoto para lá, e então para uma espécie de mundo interior, em que começa a parte mais fantasiosa do filme.
O roteiro está longe de ser linear ou mesmo coerente como de animações anteriores, como "Nausicaä do Vale do Vento" (1984) ou "Castelo no Céu" (1986). O ar de sonho lembra filmes posteriores como "A Viagem de Chihiro" (2001) ou "O Castelo Animado" (2004). É uma viagem. A animação (feita, em grande parte, à mão) é maravilhosa, assim como a trilha sonora de Joe Hisaishi, colaborador habitual de Miyazaki. É o tipo de filme que deve ser visto diversas vezes, creio, para conseguir apreender tudo que acontece na tela.
Hayao Miyazaki fala que vai se aposentar desde que fez "Princesa Mononoke" (1997). Felizmente, ele sempre volta atrás. Agora, aos 83, ele fala em aposentadoria novamente, mas vamos torcer para que seja outro alarme falso. "O Menino e a Garça" concorre ao Oscar de melhor animação e há grandes chances do prêmio ir para as mãos de Miyazaki. Nos cinemas.

True Detective Terra Noturna (True Detective Night Country, 2024)

True Detective Terra Noturna (True Detective Night Country, 2024). Criada por Issa López. HBO Max. "Terra Noturna" começa muito bem em uma pequena cidade no Alasca. É o final do ano e o Sol está se pondo pela última vez por semanas, deixando tudo e todos na escuridão e frio extremos. Um acontecimento bizarro desafia a chefe de polícia local, Liz Danvers (Jodie Foster); um grupo de pesquisadores de uma estação científica desapareceram em pleno ar. Há muitos mistérios envolvendo o caso, assim como um ar meio sobrenatural. Os homens são finalmente encontrados, nus e com expressões desesperadas, congelados como estátuas. Para uma outra policial, Evangeline Navarro (Kali Reis), o caso estaria ligado à morte violenta de uma ativista, anos antes. POSSÍVEIS SPOILERS ADIANTE.


O clima da série, assim como o local, é frio e escuro. Há muito suspense no ar, a premissa é intrigante e o elenco, ótimo. Por que, então, a série chega ao final dos seus seis capítulos como uma grande decepção? É uma pena, mas os roteiristas acabam levantando muito mais perguntas do que respostas. A personagem de Liz, por melhor que seja interpretada por Jodie Foster, acaba caindo naquele clichê de mulher solteirona, chata e mandona, que deixa todos a sua volta malucos. Lembra muito a personagem de Kate Winslet em outra série da HBO, "Mare of Easttown" (que também tinha uma filha lésbica e carregava um trauma do passado, envolvendo um filho). O suspense envolvendo os corpos congelados, que dura os primeiros três episódios, de repente some no ar. Personagens são criados, aparentemente, só para morrer de repente, causando uns dez minutos de drama, para depois também serem esquecidos.

John Hawkes, que é um grande ator, tem toda uma trama envolvendo solidão, problemas com o filho e o envolvimento com os vilões da série para, de repente, chegar a um fim forçado. Outros que "desaparecem" nos últimos capítulos são o superior de Jodie Foster, com quem ela tem um caso e sabe um "podre" do passado dela, e a diretora da mineradora. A série chega ao final com um monte de pontas soltas e mesmo sem saber o destino de personagens importantes. Uma coisa é criar ambiguidade, outra é não saber terminar uma história. Disponível na HBO Max.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

American Fiction (2023)

American Fiction (2023). Dir: Cord Jefferson. Ótima sátira, com doses de drama, a respeito de um escritor negro de Los Angeles chamado Monk (Jeffrey Wright). Monk é um escritor que não vende muito. "Seus livros não são 'negros' o suficiente", diz seu editor. "Eu sou negro, então meu livro é um 'livro negro'", ele retruca. Aparentemente, não é assim que o mercado vê. Uma escritora jovem, Sintara (Issa Rae), está fazendo sucesso com um livro, que, na opinião de Monk, está cheio de estereótipos do que os brancos imaginam ser a "luta negra". Em uma brincadeira, ele resolve então escrever um "livro negro" para satisfazer o mercado, cheio de clichês e gramática errada. Para sua surpresa, o livro se torna um sucesso.
Há um lado dramático que mostra a família de Monk, composta por uma irmã médica (Tracee Ellis Ross) e um irmão cirurgião plástico (Sterling K. Brown). Eles têm recursos, moram em Boston e têm uma casa na praia. Monk se vê cuidando da mãe com Alzheimer e tendo que lidar com a família, da qual se distanciou. Há também espaço para um romance com Coraline (Erika Alexander), uma vizinha. O filme mostra o contraste entre essa família negra de classe média alta, lidando com seus problemas, e os negros retratados pela mídia, geralmente como criminosos ou vítimas a serem salvas pelos brancos.
A mistura entre drama e sátira nem sempre funciona. Há algumas questões levantadas pelo roteiro que poderiam ser melhor trabalhadas (a escritora negra jovem, por exemplo, porque ela escreveu aquele livro? Foi só pelo dinheiro?), e o final, bastante satírico, deixa algumas pontas soltas. "American Fiction" está indicado a vários Oscars importantes, como melhor filme, ator (Jeffrey Wright), ator coadjuvante (Sterling K. Brown), trilha sonora (Laura Karpman) e roteiro adaptado (Cord Jefferson). A produção é da Amazon, mas ele ainda não está disponível no streaming.

O Sequestro do Voo 375 (2023)

O Sequestro do Voo 375 (2023). Dir: Marcus Baldini. Star+. Boa produção brasileira que relata a história real do sequestro do voo 375 da VASP em setembro de 1988. O voo estava chegando ao destino, no Rio de Janeiro, quando um homem armado invadiu a cabine e exigiu que o avião fosse para Brasília. O sequestrador era Raimundo ‘Nonato’ Alves da Conceição (interpretado por Jorge Paz), um maranhense desempregado que queria se vingar do presidente José Sarney pelas más condições do país. Seu plano era jogar o avião no Palácio do Planalto.
A produção tem boa reconstituição de época, mostrando carros, roupas e equipamentos dos anos 1980. Leva um tempo para a gente se acostumar a um mundo sem celulares, sem chek-ins com códigos de barras e coisas comuns hoje. Em um mundo analógico, o sequestrador liga para a mãe de um "orelhão", usando fichas, antes de embarcar no avião. O piloto, Fernando Murilo, é interpretado muito bem por Danilo Grangheia. Ex-piloto da Esquadrilha da Fumaça, Murilo teria usado manobras arriscadas para tentar desequilibrar o sequestrador durante o voo.

Os efeitos especiais não são espetaculares, mas passam muito bem o recado. As cenas em que o piloto faz as manobras arriscadas é muito bem feita. O roteiro, de Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque, nos localiza na época e cria suspense. Um letreiro ao final do filme diz que Osama Bin Laden teria se inspirado no sequestro brasileiro para planejar o ataque às Torres Gêmeas de Nova York. Disponível na Star+. 

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Stillwater - Em busca da verdade (Stillwater, 2021)

Stillwater - Em busca da verdade (Stillwater, 2021). Dir: Tom McCarthy. Netflix. "Stillwater" é daqueles filmes que não sabem o que querem ser. Há duas boas histórias convivendo aqui, mas não há muita liga entre elas. Matt Damon é Bill, o típico americano médio, trabalhador braçal, boné, cavanhaque, dirigindo um utilitário e rezando antes de toda refeição. Bill vai para Marselha, França, visitar a filha. Allison (Abigail Breslin) está presa pelo assassinato da namorada, Linda, há cinco anos. A filha alega ter descoberto novas evidências de sua inocência, mas como a promotora não quer reabrir o caso, cabe a Bill investigar por conta própria.

Bill não fala francês (claro) e está hospedado em um pequeno hotel, onde conhece uma mãe solteira, Virginie (Camille Cottin, ótima) e a filha pequena, Maya (Lilou Siauvaud). É conveniente demais que Virginie saiba falar inglês e, do nada, resolva ajudá-lo na investigação, mas... ok. O problema é que o filme não sabe se vai ser sobre a investigação do caso de assassinato da filha ou sobre a relação de Bill com essa francesa e a filha. Há momentos em que as duas histórias convergem mas, por grande parte do filme (que é longo demais, com duas horas e vinte de duração), parece que estamos vendo uma estranha comédia romântica. Virginie é atriz de teatro e tenta fazer o americano ignorante gostar de arte. Bill se apaixona pela garotinha, Maya, e passa a buscá-la na escola e até arruma um emprego na construção civil. Logo todos estão morando juntos, Bill faz comida para as mulheres da casa, Virginie arruma um emprego na televisão e.... que filme estamos vendo mesmo?

Damon, mais "gordo", de cavanhaque e boné, tenta fazer a gente esquecer que ele é Jason Bourne, mas é estranho vê-lo andando pelas ruas da França sem saber muito o que fazer. Lá pelo final o filme se lembra da trama de assassinato e muda drasticamente, partindo para um final estranho demais. A direção é de Tom McCarthy, que dirigiu o vencedor do Oscar "Spotlight". Tá na Netflix.

A Noite que Mudou o Pop (The Greatest Night in Pop, 2024)

A Noite que Mudou o Pop (The Greatest Night in Pop, 2024). Dir: Bao Nguyen. Netflix. Bom documentário sobre os bastidores da gravação do hit "We Are the World", um single composto por Lionel Ritchie e Michael Jackson em janeiro de 1985. A música fez parte de uma das ações da época contra a fome na África, particularmente na Etiópia. O ator, cantor e ativista Harry Belafonte teve a ideia e coube ao produtor musical Quincy Jones fazer o trabalho.

O documentário é costurado com entrevistas de vários envolvidos com a música na época, como Lionel Ritchie, que também produz o filme. O pesadelo logístico de juntar um grupo de super artistas famosos era enorme, então decidiram gravar o single depois de um prêmio musical em Los Angeles (que Lionel Ritchie ia apresentar), já que muitos estariam na cidade. Ritchie e Jackson compuseram a música em poucos dias. A melhor parte do documentário é quando eles mostram os bastidores da gravação em si, compilados de horas de fitas. Como lidar com o ego de mais de quarenta estrelas do pop, rock e até mesmo do country? "Deixem o ego na porta", dizia um cartaz escrito por Quincy Jones. Estavam presentes astros como Bruce Springsteen, Michael Jackson, Tina Turner, Ray Charles, Stevie Wonder, Paul Simon, Bob Dylan, Billy Joel, Al Jarreau, Cyndi Lauper, Diana Ross, Kenny Loggins e dezenas de outros.

Apesar do aviso de Jones, lidar com os artistas não era fácil. Stevie Wonder achou que deveriam cantar algumas frases em Swahili, língua falada em algumas partes da África (mas não na Etiópia). Michael Jackson, para não ficar atrás, quis acrescentar algumas frases em outra língua africana. Eles só tinham aquela noite para gravar a canção e ideias como essas causavam vários atrasos (resolveram cantar tudo em inglês mesmo). Prince, que havia ganhado vários prêmios naquela noite, era dúvida se iria participar ou não. Ele exigiu gravar sozinho, em outra sala, e acabou dispensado. Huey Lewis (que fez muito sucesso com as canções de "De Volta para o Futuro"), acabou pegando os vocais dele.

Engraçado ver os vários takes que os artistas tiveram que gravar para chegar às partes que conhecemos na música (e clipe) final. Tenho minhas dúvidas se "We are the World" trouxe algum benefício às crianças famintas da África mas, como canção pop, foi um enorme sucesso. Tá na Netflix.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Intruso (Foe, 2023)

Intruso (Foe, 2023). Dir: Garth Davis. Amazon Prime Video. Filme que decepciona porque tinha várias coisas a favor; o elenco é composto por Saoirse Ronan e Paul Mescal, que são muito bons e se entregam por inteiro. A premissa de ficção-científica é interessante. Em 2065, o mundo está passando por secas terríveis e parte da população é convocada a trabalhar em estações espaciais. Hen e Junior (Ronan e Mescal) são donos de uma fazenda no meio oeste americano. Um dia chega um representante da empresa OuterMore, Terrance (Aaron Pierre) e informa o casal que Junior foi convocado a trabalhar no Espaço. Hen, a esposa, não foi chamada e deve aguardar o retorno do marido. Terrance avisa que um substituto vivo, um clone controlado por AI, iria ficar no lugar de Junior enquanto ele estivesse no espaço. O representante da empresa também diz que tem tem que observar o casal, então ele se muda para a casa deles e se torna uma presença complicadora.

A ideia é interessante (e muito parecida com um episódio recente de Black Mirror). O problema é que o filme investe pesado no melodrama e há cenas intermináveis em que Ronan e Mescal discutem, brigam, depois retomam em cenas quentes de sexo. Há cenas visualmente belas em que o casal, pequenas figuras em meio a uma vastidão vazia, percorrem as paisagens em volta da fazenda. Há discussões sobre a vida e a morte, sobre o passado, sobre o futuro, tudo regado por uma trilha instrumental melancólica.

Tudo muito bem se o filme se assumisse "cerebral" e misterioso, mas há uma cena desastrosa em que tudo é explicado nos mínimos detalhes, quebrando o mistério com uma "revelação" que não era tão difícil de imaginar. Fica difícil também entender a lógica por trás da empresa. Por que eles se dariam a todo este trabalho e custos apenas para recrutar um simples operário espacial? Por que enviar pessoas comuns ao espaço se, em seu lugar, poderiam ir clones perfeitos? Enfim, um filme difícil de terminar. Há várias boas ideias e as interpretações são ótimas, mas mal aproveitadas. Disponível na Amazon Prime Video.

 

Os Rejeitados (The Holdovers, 2023)

Os Rejeitados (The Holdovers, 2023). Dir: Alexander Payne. Paul Giamatti é Paul Hunham, professor de História em um internato para garotos no leste americano. Paul é universalmente odiado por professores e alunos. Durante o Natal de 1970, ele fica responsável por tomar conta dos alunos que, por algum motivo, não podem voltar para casa nas férias. É o caso de Angus Tully (Dominic Sessa), um rapaz que é deixado para trás pela mãe porque ela saiu em lua-de-mel com o novo marido. Assim, Paul, Angus e a cozinheira da escola, Mary, acabam ficando sozinhos no campus, tendo que arrumar o que fazer durante o período de férias.

Dirigido pro Alexander Payne (de "Sideways", também com Giamatti), "Os Rejeitados" é uma delícia de filme (desde que você não espere por muita ação). Giamatti está excelente, no tipo de papel que sabe fazer bem, um cara meio deprimido, meio raivoso. Dominic Sessa, o rapaz, está em seu primeiro filme e é excelente. Mary (Da'Vine Joy Randolph), a cozinheira, é uma mulher vivida que está de luto pela morte do filho no Vietnam. Esse trio, mais alguns poucos outros personagens, acabam descobrindo que talvez não sejam tão "rejeitados" como diz o título. A vida é dura, mas também pode ser bela.

Tecnicamente, "Os Rejeitados" é feito como se tivesse sido produzido na década de 1970. Os créditos iniciais usam uma vinheta antiga da Universal e criaram vinhetas "vintage" para a Focus Features e Miramax. Apesar de gravado em digital, a imagem parece película antiga e a edição usa longas transições de imagens, como era comum na época. As locações reais te transportam para outra época. A trilha, cheia de canções de Natal, contrastam com o humor dos personagens, mas trazem muita nostalgia. Paul Giamatti já ganhou alguns prêmios pelo papel e, quem sabe, talvez até consiga desbancar Cillian Murphy, de Oppenheimer, no próximo Oscar.

Priscilla (2023)

Priscilla (2023). Dir: Sofia Coppola. A história de Priscilla Presley parece feita sob medida para o cinema de Sofia Coppola. Um cinema às voltas com personagens meio perdidas, procurando a aprovação e/ou atenção de um personagem mais velho ("Encontros e Desencontros"), ou mesmo do pai ("As Virgens Suicidas", "Um Lugar Qualquer" e "On the Rocks"). Aqui, Coppola aponta suas lentes para uma menina de 14 anos chamada Priscilla Beaulieu. Ela morava na Alemanha em uma base militar na mesma época em que Elvis Presley estava no exército. Priscilla é interpretada por Cailee Spaeny como uma garota solitária e com saudades dos EUA. Um amigo de Elvis a convida para uma festa da casa do "rei" e é amor à primeira vista.

Ao contrário da biografia exagerada feita por Baz Luhrmann em 2022, este é um filme quieto e calmo. O foco aqui não é Elvis, mas a menina que ele levou para os EUA e colocou sob uma redoma de vidro em Graceland, o rancho dos Presley. Elvis é interpretado por Jacob Elordi, que não se parece muito com Elvis, mas convence bastante. A relação entre ele e a garota mistura um conto de fadas com uma história de terror. Apesar de ficar com muitas mulheres estrada afora, em casa Elvis é um cavalheiro que diz à jovem namorada que eles não podem "se deixar levar pelos desejos". Ao mesmo tempo, ele a vicia em vários tipos de remédios (para dormir, para ficar acordado) e a leva a lugares não apropriados à idade dela (como Las Vegas).

O filme tem boa recriação de época mas a trilha sonora tem vários momentos anacrônicos, com músicas modernas tocando por cima de montagens dos anos 1960. Li uma entrevista de Coppola em que ela dizia que não queria pintar Elvis como um "vilão", mas ele é mostrado, no mínimo, como um idiota. Carente, narcisista e controlador, ele trata a garota como um bibelô, enquanto está sempre cercado de vários "amigos" puxa-sacos que fazem todas as suas vontades. O roteiro é baseado nas memórias da própria Priscilla Presley. Nos cinemas.

O Homem dos Sonhos (Dream Scenario, 2023)

O Homem dos Sonhos (Dream Scenario, 2023). Dir: Kristoffer Borgli. Filme bastante curioso que lembra os tempos em que o roteirista Charlie Kaufman era novidade e escrevia filmes como "Quero ser John Malkovich", "Adaptação" ou "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças". Nicolas Cage é Paul Matthews, um pacato professor de biologia evolutiva. Barba comprida, careca, óculos, usando sempre as mesmas roupas, ele é um tipo bastante comum.

Um dia um fenômeno estranho acontece e as pessoas começam a ver Paul em seus sonhos. No começo, são pessoas próximas, como família e amigos. Depois, o fenômeno se espalha pelo mundo inteiro. Paul fica assustado, a princípio, com a fama repentina mas, ei, as pessoas estão finalmente prestando atenção nele, achando-o "interessante". Logo ele está dando entrevistas e uma empresa quer associá-lo a vários produtos. O problema é que, de repente, os sonhos das pessoas com ele se tornam pesadelos terríveis e violentos. Amigos não querem mais vê-lo. A própria família está assustada.

"O Homem dos Sonhos" é uma sátira bem interessante sobre a fama e seus efeitos no mundo de hoje. Paul se considera um acadêmico sério e sonha em escrever um livro sobre a evolução das formigas, mas o mundo quer usá-lo para vender refrigerante. Quando ele está no alto da onda, no entanto, ele é "cancelado" pelas mesmas pessoas que o veneravam. Nicolas Cage, famoso por suas interpretações exageradas, está ótimo aqui como uma pessoa comum que, por um momento, acha que tirou a sorte grande. Há várias sequências interessantes e, em vários momentos, você não sabe se está vendo o mundo real ou se estamos dentro do sonho de alguém. A produção foi rodada em filme 16mm, com cores saturadas que lembram filmes antigos de família ou documentários. É curto, uma hora e quarenta de duração, e o final é interessante, embora poderia ter rendido mais.

Poder sem limites (Chronicle, 2012)

Poder sem limites (Chronicle, 2012). Dir: Josh Trank. Netflix. Já havia ouvido falar nesta ficção-científica mas nunca havia tido a oportunidade de vê-la, até agora. "Chronicle" foi o filme de estreia de Josh Trank, na época com 26 anos. Um tempo depois ele teria a reputação destruída por sua direção de "Quarteto Fantástico" (2015), mas essa é outra história.

"Poder sem limites" foi feito com um orçamento bem inferior ao que se gasta em um filme da Marvel (uns 200 milhões de dólares), por "apenas" 15 milhões. É daqueles filmes feitos com "found footage" (imagens encontradas), ou seja, o que você vê na tela é porque algum personagem está filmando. Andrew (Dane DeHaan, de "O Espetacular Homem-Aranha 2") é um jovem tímido que sofre bullying na escola. Um dia ele resolve que vai carregar uma câmera por aí para registrar tudo, o que nem sempre faz sentido mas, assim, o filme é sobre o ponto de vista da câmera dele. Ao ir a uma festa da escola, Andrew, o primo Matt (Alex Russell) e um amigo, Steve (um jovem Michael B. Jordan), encontram um buraco estranho no meio da floresta. Eles descem no buraco e encontram "alguma coisa" lá.

Acontece que, dali para frente, eles descobrem que têm "poderes". A princípio, conseguem mover pequenas coisas com a mente. Conforme vão treinando os poderes, eles ficam mais fortes e, claro, mais perigosos. No começo, no entanto, é tudo diversão; eles usam os poderes para levantar as saias das garotas, fazer shows de mágica e, mais para frente, descobrem que podem até voar. Os efeitos especiais são razoáveis, mas passam o recado. O filme fica mais sério e dramático mais para o final. O grande Michael Kelly (Doug Stamper em "House of Cards") interpreta o pai alcoólatra de Andrew, que resolve usar seus poderes para o "mal". É um filme interessante, embora por vezes pareça meio amador. Lembra um pouco aquela série "Heroes", em que adolescentes descobriam superpoderes. Tá na Netflix.

Vidas Passadas (Past Lives, 2023)

Vidas Passadas (Past Lives, 2023). Dir: Celine Song. Belíssimo filme para começar bem o ano. "Vidas Passadas" é o longa metragem de estreia da coreana-canadense Celine Song, e é um deleite. O filme se passa em um período de 24 anos, mas o início se dá no encontro de um garoto e uma garota de 12 anos, Na Young e Hae Sung, em um parque de Seoul. Os dois estudam juntos e são apaixonados. As mães organizam um encontro em que os dois brincam, se divertem e voltam para casa de mãos dadas. O problema é que a menina está de partida para o Canadá, onde vai morar. O encontro, na verdade, havia sido uma despedida.

Eles poderiam nunca mais ter se visto mas, 12 anos depois, Na Young (Greta Lee), morando em Nova York, encontra o antigo "namoradinho" no Facebook. Os dois começam a conversar via Skype e descobrem que ainda há uma grande atração entre eles. Só que eles estão separados por milhares de quilômetros... o que fazer? Anos novamente se passam, até que Hae Sung (Teo Yoo), o rapaz, resolve finalmente ir até Nova York ver a moça.

(aviso de possíveis spoilers, não vou revelar o final, mas alguns detalhes sobre a vida dos personagens que talvez você não queira saber)

Se fosse uma simples comédia romântica, provavelmente tudo daria certo e as duas "almas gêmeas" terminariam o filme se beijando no topo do Empire State, mas não é esse tipo de filme. O tempo passou, Na Young está casada e estabelecida em Nova York. Ainda assim, é inegável que ela está curiosa com esse homem que resolveu visitá-la depois de 24 anos. "Ele é tão coreano", diz ela ao marido. "Quando estou com ele me sinto menos coreana mas, ao mesmo tempo.... mais coreana".

O que é que eles sentem um pelo outro? Há longas cenas de silêncios entre os dois, quando estão passeando por marcos turísticos de Nova York (muito bem filmada pelo diretor de fotografia Shabier Kirchner). Na última vez que estiveram juntos, eram crianças de 12 anos, em outro país, com a vida inteira pela frente. O que teria acontecido se ela não tivesse deixado a Coréia, ou se ele tivesse ido vê-la em Nova York antes? Estariam destinados a se reencontrar? A que custo? Tudo é lidado com muita sensibilidade e belos diálogos. O personagem do marido, que poderia render cenas de ciúmes e até violência, é muito bem desenvolvido pelo roteiro. Um dos melhores filmes de 2023.

 

domingo, 24 de dezembro de 2023

Resistência (The Creator, 2023)

Resistência (The Creator, 2023). Dir: Garreth Edwards. Belíssimo filme de ficção científica que é um sopro de ar fresco em meio a tantas versões de Star Wars ou filmes da Marvel dominando as telas. "Resistência" usa de muitas referências, claro, "Blade Runner", "Akira", "A.I" do Spielberg até mesmo "E.T.", mas é uma história totalmente original.
No futuro, a Terra está em guerra com as IA (Inteligência Artificial). Ou melhor, os Estados Unidos estão em guerra com a IA porque, supostamente, uma explodiu uma bomba atômica em Los Angeles, pulverizando milhões de pessoas em segundos. Os Estados Unidos constroem uma fortaleza voadora chamada NOMAD, que vigia todo o planeta e dispara mísseis sobre os inimigos.
John David Washington é um soldado das forças especiais que é recrutado para encontrar uma arma construída pelas IA na Ásia. Ao mesmo tempo, ele espera poder reencontrar sua esposa, que teria sido morta no começo do filme mas que ele acredita que ainda esteja viva. A tal "arma" que ele encontra tem o formato de uma criança pequena de uns seis anos (Madeleine Yuna Voyles), que ele passa a chamar de "Alphie". A criança, aos poucos, começa a se aproximar dele e a agir como uma criança comum, não como uma arma que poderia destruir os americanos. Fica a dúvida no ar... a criança realmente tem sentimentos ou é só programada para fingir? Como espectador, você fica o tempo todo "mudando de lado", ora torcendo para os americanos, ora torcendo pela Resistência.
O que realmente impressiona é a construção de mundo. Há centenas de efeitos visuais o tempo todo, misturados às paisagens filmadas na Tailândia e países vizinhos. Tudo é tão integrado que você se esquece que está vendo efeitos especiais. Há até monges budistas que são robôs, tudo integrado à narrativa. O roteiro tem algumas parte difíceis de engolir e todo o terceiro ato depende de uma série de conveniências para dar certo, mas não importa. É bastante emocionante.

O filme foi feito com um orçamento baixo, 80 milhões de dólares (contra uns 300 milhões do último Indiana Jones e 200 milhões de Aquaman 2). A recepção foi mista, muita gente esperava mais; para mim, é um filmão a ser visto e revisto. Disponível na Star+.